quarta-feira, 9 de julho de 2014

Assim nasceu o Festival. Histórias e Estórias XXI

Cartaz do 1 Festival de Inverno
Festival de Inverno: 
um estado de espírito.
Eduardo Nascimento*

É muito difícil narrar uma história ou contar um "causo", quando se é um dos protagonistas . Vou tentar de todas as maneiras - sei que é quase impossível- ter um olhar bem imparcial,na intenção de interpretar as movimentações, atitudes e envolvimentos com personagens, instituições, valores e coisas  que participaram do projeto em questão.

O momento, a ideia e os referênciais
Um projeto não nasce por acaso, seja qual for a sua intenção e proposta ele requer alguns ingredientes fundamentais, tais como: experiência dos proponentes, conhecimento dos meios e fins a serem atingidos, uma equipe confiante, envolvimento da clientela, recursos financeiros e vontade política. Principalmente quando a iniciativa é de uma instituição pública.

Com o projeto Festival de Inverno não foi muito diferente. Em 1990, a Universidade Federal do Paraná vivia um novo momento político com a eleição, por via direta, do reitor  Carlos Alberto Faraco.  Enquanto o Governo Federal extinguia o Ministério da Cultura e  fechava inúmeras entidades culturais, como a Embrafilme e a Funarte, a atual administração da reitoria de então inovava com a implantação da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura, atendendo assim uma das áreas mais deficitárias da instituição.  A Profa.Márcia Scholz de Andrade Kersten assume a nova pasta e com a equipe traça os primeiros passos para a criação de uma política voltada para a extensão e a cultura.  Márcia Simões da Fontoura, professora do Departamento de Artes é convidada e assume o cargo de Coordenadora de Cultura daquela Pró-Reitoria.

Nova equipe, novas pessoas, novas situações, e um compromisso de estabelecer avanços importantes para a instituição. A vontade era tanta, que já nos primeiros momentos da então criada Coordenação de Cultura, e a convite da Profa. Márcia Simões, participei - como Coordenador  do Curso de Educação Artística -  de uma reunião informal, na tentativa de juntos tentarmos trocar idéias e formatar uma proposta de ação cultural para aquela
coordenação. Despertava-nos a necessidade em se criar um projeto que viesse atender as aspirações do público universitário, nas áreas do fazer e do refletir artístico e de romper com as tradicionais atividades localizadas de sala de aula, forte característica da instituição. Mas o projeto, para ser marcante, precisava de novos ingredientes, de caráter contínuo, descentralizador, extensionista e comunitário, que reunisse os mais diversos fazeres artísticos, num envolvimento permanente, intenso e vibrante, de muita troca e criatividade. Isso se chamava Festival.
As nossas experiências acadêmicas e administrativas, somadas ainda às participações em Festivais de Inverno de Ouro Preto, Encontros de Artes da EMBAP, Projetos Uniarte, na Secretaria de Estado da Cultura e na Associação Profissional dos Artistas Plásticos do Paraná, vieram colaborar na criação de um projeto de extensão de ação cultural, com características próprias e visível viabilidade, respaldado ainda por total apoio da Reitoria. Assim nasceu a idéia do Festival de Inverno da UFPR.

"A Universidade não pode ser entendida apenas como uma casa de ensino formal, sala de aula e professor. Acho que a importância fundamental está justamente no trabalho de extensão e de pesquisa, e o Festival envolve tudo isso. Teremos professores da Universidade e professores de outras instituições atuando, teremos a apresentação de pesquisas e mais o trabalho de extensão à comunidade" defendia Márcia Simões¹

Após inúmeras reuniões e trocas de ideias e tendo como referência os festivais mineiros realizados há mais de vinte anos, elaboramos um pequeno projeto estruturado em três momentos distintos: minicursos (cursos teóricos de pequena duração), oficinas (cursos práticos) e espetáculos com apresentações públicas dos grupos artísticos da Universidade
- dança, orquestra e coral - e de convidados.
 As atividades seriam desenvolvidas em três períodos - manhã, tarde e noite - podendo o participante se inscrever em mais de uma atividade. O Festival seria realizado na primeira semana do mês de julho, precisamente de 31 de junho a 07 de julho de 1991, aproveitando o término do semestre letivo dos nossos cursos, podendo contar ainda com a permanência dos alunos da nossa universidade residentes no interior.
Sendo os espetáculos uma área fora dos nossos domínios, a Profa.Márcia convidou Rafael Pacheco - Coordenador de Eventos da Proec e Diretor do Grupo de Dança - para integrar o grupo e contribuir na elaboração das propostas.

A escolha do local
A descentralização das atividades da Universidade já era uma antiga reivindicação da comunidade paranaense e preocupação constante dos seus dirigentes. A escolha do local para o desenvolvimento do Festival era de vital importância para o sucesso do empreendimento. Acreditávamos que era necessário proporcionar aos participantes um novo endereço, uma mudança de local, estar em um lugar diferente - longe de seus afazeres costumeiros - onde as pessoas pudessem se envolver, em tempo integrar com a sua produção e aprendizagem. Nada melhor do que em uma pequena localidade, a beira mar, com cheiro de muita história, pouco barulho e sem poluição. Por estas e outras qualidades foi indicada – e escolhida – para sediar o projeto a cidade de Antonina.

"Independente dos objetivos da própria Universidade, o Festival vem ao encontro de uma velha aspiração da própria Antonina, de se firmar como polo cultural para, através disso, ganhar força como polo turístico - na condição de cidade litorânea de paisagem natural e histórica importante, já que perspectiva econômica não existe..." escreve Rosirene Germael².

Antonina é uma pequena cidade histórica do litoral do Paraná, com seus casarios antigos e ruas estreitas, construídas no começo do século XVIII, com uma bela baía rodeada pelas montanhas da Serra do Mar. Uma população tranquila (18.000 habitantes) que conserva suas tradições culturais e religiosas, e uma economia totalmente fragilizada, reflexo da desativação do seu terminal portuário e do fechamento das Indústrias Matarazzo nas décadas de 70 e 80. Situada a apenas 85 km de Curitiba, a cidade é servida por boas estradas, clima adequado, serviços essenciais, um pequeno número de hotéis e restaurantes, ou seja, um ambiente afinado com as expectativas do projeto.

Poderíamos ainda acrescentar outros pontos positivos  que vieram contribuir para a escolha da cidade, tais como a disponibilidade de espaços físicos dos velhos barracões industriais e portuários desativados, a vontade da comunidade em participar - ingrediente importante para o desenvolvimento do projeto -, a rica cultura local dos bons carnavais e de sua tradição musical, gerada pela Filarmônica, e finalmente o apoio demonstrado pela prefeitura.

A cidade também já tinha sido palco de vários projetos culturais, acumulando com isso experiência  ao longo do tempo. Em setembro de 1977, sediou o 9º Encontro de Arte Moderna, realização do Centro Acadêmico da Escola de Música e Belas Artes do Paraná
(DAGV), em uma experiência inédita de levar os alunos da Escola para uma atividade comunitária, fora do seu espaço habitual.  Coordenei este evento por exercer a presidência do Centro Acadêmico e acredito ter sido o Encontro a semente do projeto Festival. Em 1979, a cidade sediou a única edição do 1º Festival de Inverno de Antonina, promovido pela Secretaria de Estado da Cultura. E mais tarde, em 1982, foi a vez da fase eliminatória regional do litoral do Festival de Música Todos os Cantos. Também promovido pelo Governo do Estado, com importante participação da comunidade antoninense.

A integração Universidade/Comunidade
Analisando os procedimentos e métodos adotados por promotores de projetos similares ao Festival, concluímos que seria necessário fazer todo um trabalho de interação com as comunidades envolvidas, principalmente com a da cidade de Antonina, pois só assim criaríamos um diferencial, vital para a realização e continuidade do intento. Aí começou a estruturação do projeto, agora com um novo e importante aditivo: conhecer os valores culturais da comunidade parceira. Era preciso fazer um trabalho de integração entre o querer e o fazer cultural das partes. Como antoninense, morador da cidade e professor da Universidade tomei como minha a responsabilidade de estabelecer o elo entre os principais envolvidos. Várias reuniões foram feitas com alguns segmentos da cidade, na tentativa de colher subsídios para então poder desenvolver um projeto que fosse ao encontro dos seus  anseios e necessidades. Marquei encontro com o maestro da Filarmônica, com os carnavalescos, professores da rede pública de ensino de 1º e 2º graus, artesãos, donos de restaurantes, hotéis, entre outros. Antonina não poderia servir simplesmente de hospedagem e cenário do Festival e sim de promotora viva e participativa do projeto. Fizemos inúmeras reuniões com o prefeito, funcionários municipais, inspetor de ensino e diretores de escolas.  Devido a sua importância regional, estivemos em Paranaguá e apresentamos a idéia aos diretores das escolas públicas estaduais das cidades litorâneas presentes na reunião realizada no Instituto de Educação. Recebemos apoio irrestrito do Diretor do Núcleo Regional de Educação da SEED, Sr.Edson Coelho, o qual aprovou a antecipação das férias de inverno para a primeira quinzena em toda a região do litoral, facilitando a participação dos professores das cidades vizinhas.
As partes pareciam se encaixar, e o projeto parecia estar pronto. Era hora de colocar na rua.

A equipe de trabalho
Márcia Simões, Coordenadora de Cultura se preocupava com o gerenciamento geral do projeto; Eduardo Nascimento com a Coordenação dos Cursos; Rafael Pacheco organizava os espetáculos; Lucinha Mion e Doris Guidolin se responsabilizavam por toda parte administrativa, assessoradas por uma pequena equipe de técnicos e professores da Pró-Reitoria. A administração superior corria atrás de recursos financeiros, já que o projeto não constava do orçamento de 1991. A Prefeitura de Antonina nomeou uma equipe de apoio para auxiliar nas tarefas locais. Todos trabalhavam para a realização do novo desígnio.

Além de todas as dificuldades encontradas - como é de costume para a realização de uma nova ideia - foi deflagrada, durante o período de organização e divulgação, uma greve geral dos funcionários das federais, que se estendeu até o final do Festival. Negociações foram feitas com as comissões de ética dos sindicatos para que fosse dado andamento ao projeto. As assessorias estavam todas paradas, comunicação social, transporte, malote, enfim, a Universidade parou para reivindicar o que lhe era justo naquele momento. Mas o nosso projeto continuou em andamento.

"O  Festival não tinha condições de parar, são mais de cem professores envolvidos, monitores, gente de fora. Quando se faz uma greve, a gente tem  que considerar este tipo de coisa, a perda que acarretaríamos. Embora de um lado a gente seja a favor da greve, de outro sabemos que o  Festival precisa acontecer”.defendia Márcia Simões³.

"O momento para buscar saídas é exatamente esse, o momento do caos. Não basta a Universidade fechar as portas. A gente tem que propor alternativas ao acesso ao conhecimento e a produção cultural. E uma alternativa é ir ao encontro da comunidade, convidando-a a consumir e a participar da produção existente. Infelizmente o projeto desse Festival ainda saiu das mãos de poucas pessoas até em função das dificuldades do momento." argumenta Eduardo Nascimento 4.

Assim nasceu o Festival de Inverno da UFPR, em Antonina.
  
Texto extraído do livro “Festival de Inverno da UFPR - 11 anos de cultura, arte e cidadania”. Ed. Proec – Ufpr 2001.

* Eduardo Nascimento-  Antonina 1951, É artista plástico, fotógrafo e  professor do Departamento de Design da UFPR. Bacharel em Pintura e Licenciado em Desenho pela EMBAP (1977-79), mestre em Comunicacão e Semiótica/Artes pela PUC/SP (94). Foi Coordenador do Curso de Educação Artística da UFPR(91-94) e Coordenador de Cultura da PROEC (94-96), com Márcia Simões idealizou e coordenou os primeiros festivais.

Citações
(1)     entrevista a Rosirene Gemael.Caderno Programe-se. Jornal Correio de Notícias, pag.b3, 23 de junho de 1991,Curitiba,Pr.
(2)     Rosirene Gemael. Caderno Programe-se. Jornal Correio de Notícias, pag.b3, 23 de junho de 1991,Curitiba,Pr.
(3)     entrevista a Rosirene Gemael.Caderno Programe-se. Jornal Correio de Notícias, pag.b3, 23 de junho de 1991,Curitiba,Pr.
(4)     entrevista a Rosirene Gemael.Caderno Programe-se. Jornal Correio de Notícias, pag.b6, 23 de junho de 1991,Curitiba,Pr.


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