O barreado é considerado o prato típico do Paraná.
Nascido na costa das entranhas da Serra do Mar, especificamente nas cidades
mais antigas do litoral paranaense, de origem açoriana, tais como Antonina,
Guaraqueçaba, Guaratuba, Morretes e Paranaguá. Tem sua origem disputada, e suas
histórias coincidem na aprendizagem com seus antepassados, moradores da região.
Segundo Marly Garcia Correia (1)...”É difícil determinar
a data certa do seu surgimento, mas seguramente é degustado há mais de 200
anos.” E continua: “Sua verdadeira origem se confunde com o surgimento
do ‘entrudo’, hoje conhecido como carnaval, festa profana. No decorrer dos três
dias de ‘entrudo’ o caboclo caiçara parava os seus afazeres, não saía para o
mar e só ficava em casa cuidando do barreado, comida difícil e cheia de manhas,
requerendo muita paciência e técnica.”
Prato típico servido pelas famílias litorâneas, era feito
por ocasião das grandes comemorações, tais como o carnaval, eleições e reuniões
familiares.
O prato
A comida consiste em um cozido – anteriormente conhecido
como guisado - de carnes bovina (peito, coxão mole, patinho), com toucinho
de porco e temperos. Preparada em panela de barro, com tampa lacrada com folha
de bananeira e pirão, feito de farinha de mandioca e cinza. Seu cozimento
consiste em mais de doze horas, em fogo brando.
É servida fervente sobre farinha de mandioca, com arroz,
banana - de preferência da terra, e laranja. Uma boa cachaça deve ativar o
paladar e melhorar a digestão, devido seu alto teor de gordura.
Da canoa subiu o primeiro foguete...
Alça um outro, outro mais...e do porto distante
Sobe riscando o céu na tarde agonizante
Um rojão que no azul traça um alvo filete.
La na praia distante, em meio a vazante,
junta o povo de casa e apresta-se o rolete
p’ra varar a canoa e aguentar o banquete,
o barreado que chega – o “boi” – carne abundante.
É cominho, a farinha, a banana, e a aguardente
p’ra a festança,
ideal do caboclo praiano
que termina depois no fandango dolente...
Torna ao canto a panela de barro inda um ano,
a esperar outro entrudo, a alegria da gente
boa e simples que volta ao seu labor, insano.
2 (poesia de Agostinho Pereira Filho, publicada em Paranaguá,
em 1938)
Barreado e Antonina
Sendo considerado um dos primeiros povoados português da
região, com inicio no século XVII, seus costumes alimentares e a natureza
festiva e fandangueira do seu povo – portugueses, índios e escravos negros, nos
levam a acolher esta tradicional maneira alimentar como um dos nossos alicerces
gastronômicos. Junto com nossas vilas e cidades vizinhas.
O tradicional “entrudo” português, cedeu lugar para a
festa tropical do carnaval, o qual cultivamos e mantemos, alegrando anualmente
as ruas estreitas e calçadas de pedras da cidade.
Barreado prato gastronômico
Com o passar dos anos e o surgimento da indústria do
turismo no Brasil – século XX, cada região procurou definir suas vocações e
seus produtos. Nossa região seguiu a tendência desenvolvimentista do turismo gastronômico,
mas somente em 1970 que a Paranatur – Empresa Paranaense de Turismo, instituiu
uma receita, recolhida pela pesquisadora Marly Garcia Correia (3), junto às
mais afamadas e competentes cozinheiras de Antonina, Nair Veloso e Maria da Luz
Ferreira, sendo considerada a Receita Oficial do Barreado no Paraná, a
qual se segue:
Ingredientes
5kg de carne (peito, coxão mole, patinho).
300g de toucinho.
03 cabeças grandes de cebola.
02 cabeças medias de alho.
Folhas de louro.
½ latinha de cominho em pó ou 01 pacote de cominho em
grão.
Sal a gosto.
pimenta vermelha a gosto.
Preparo
Corta-se as carnes e o toucinho em pedaços pequenos,
adicionando todos os temperos. Leva-se tudo a uma vasilha e deixa-se repousar
até o dia do preparo. Forra-se a panela de barro com toucinho. Depois põe-se as
carnes temperadas e tampa-se a panela com uma folha de bananeira previamente
sapecada, amarra-se com um barbante nas bordas. Coloca-se a tampa e barreia-se
com um pirão, mistura de farinha de mandioca com cinza de lenha e água fervente.
Leva-se ao fogo forte nas primeiras horas, passando para fogo brando. O tempo e
cozimento é de 12 horas. Quando a folha de bananeira estiver bem escura, o
barreado esta cozido. Abrir a panela, provar e se for o caso, complementar o
tempero (sal, pimenta e cominho).
Modo de servir
Serve-se com farinha de mandioca, banana, laranja e
arroz. Acompanha uma bebida alcoólica (batida ou pinga) que serve para rebater
este prato, considerado forte.
Barreado produto comercial
Em Antonina, o
barreado surgiu em seu cardápio gastronômico - ao menos que tenho registro, no
Restaurante do Clube Náutico – CNA, quando as mulheres de teatro Dudu Barreto
Leite e Iara Sarmento, no início dos anos setenta (1970-1972) resolveram residir
na cidade e gerenciar tal empreendimento. Que teve vida curta.
Mas foi a empresária Ieda Siedschlag - Baronesa, proprietária
do Restaurante Cacoan, quem realmente divulgou o barreado além das nossas
fronteiras, nas décadas de setenta e oitenta, se tronando o endereço mais
importante da nossa gastronomia, tendo a iguaria como seu carro chefe, o famoso
Barreado da Ieda.
Hoje, o tradicional prato é encontrado em vários restaurantes
da cidade. Alguns seguem rigorosamente a receita tradicional e a maneira de
cozer a carne em panela de barro e em fogão a lenha, como o Restaurante
Buganvill de Anny Snoeyer, que atende desde 1986.
O barreado faz parte da nossa farta mesa e temos como
algo “sagrado” e importante na história dos nossos costumes e tradição. Participa
das nossas festas e da nossa maneira caiçara de ser. Seu preparo é mais que um
simples fazer...é um ritual. Sons de sinetas, fogos e acordes, antecipam sua degustação,
quando é comemoração. Sempre.
Eduardo Bó Nascimento
Junho 2019
(1)
(2)
Correia, Marly Garcia. O fandango que acompanha o barreado. MAXI Grafica,2002.