terça-feira, 19 de julho de 2022

COM TODO RESPEITO

COM TODO RESPEITO

Durante o 2º Festival de Inverno da UFPR em Antonina, realizado em 1992, a cidade não disponibilizava de espaços adequados para a realização de espetáculos – o Theatro Municipal estava em recuperação – e os templos católicos, Igreja Matriz, do Bom Jesus do Saivá e de São Benedito acolheram grande parte da programação, somado ao pequeno palco ao ar livre, montado na avenida principal. Tudo ainda era muito simples, mas bem-feito.

 Apesar da programação abranger diversas áreas do saber artístico, algumas eram tratadas como prioridades, tais como circo, artes visuais e arte educação.

A primazia era levada a sério com ênfase aos nossos grupos artísticos e a produção cultural da cidade.

Apesar de não fazer parte da programação oficial do festival, por solicitação da professora Elizabete Zagonel, foi acrescentado um espetáculo de Música Eletroacústica, apresentado por professor da UNICAMP (falha de memória pessoal e do próprio evento) programado para a Igreja de São Benedito. Junto teríamos apresentação do mímico Jiddu Saldanha. Tudo pronto, equipamentos testados aguardando a hora.

A organização do evento desconhecia que parte da igreja de São Benedito, sua sacristia, era também utilizada eventualmente, para velar os mortos da cidade. E quando isso acontecia, a cruz da torre se iluminava, anunciando que ali estava um corpo sendo velado.

Dia chuvoso e a poucas horas para a realização do espetáculo de Música Eletroacústica, não é que se acende a luz da cruz da torre. Falei pra Marcia Simões – coordenadora do evento: Não é possível, morreu alguém e o corpo está sendo velado na igreja. E o espetáculo?

Lá fomos nós preocupados, sem saber o que fazer. Proibir o velório nem pensar. Suspender o espetáculo...difícil.

Porta sobre aberta a meia luz, adentramos o local com cara de tristeza e preocupação. Olhei no entorno e reconheci os familiares da defunta. Vizinhos da igreja da família Sérvulo. Caixão adornado, tristeza constante e lá vou eu cumprimentar as pessoas, em especial meus amigos de infância e filhos da falecida, Zacarias e Rubens.

-Meus sentimentos. Mas gostaria de falar com vocês. Sei que o momento é inoportuno, mas temos uma apresentação de música programada para logo mais aqui na igreja, parte do Festival de Inverno da Universidade. Gostaria de pedir o consentimento da família para que possa ser realizado. Nada de barulho...será música suave. Nos comprometemos em fechar a porta da sacristia para isolar parte do som.

Assim nos foi concedido pela família enlutada.

- Muito obrigado!

A situação pareceu felliniana, apesar da simplicidade dos gestos, os momentos vivenciados eram bem adversos. Tivemos que nos preparar, encarar um personagem e definir tal estratégia. O espetáculo não podia parar...Com velório e tudo.

Minutos depois, tudo pronto. E assim aconteceu mais um espetáculo, digo dois, no 2º Festival de Inverno da UFPR. Além de contar com casa cheia, digo, igreja cheia, somado as imprevistas intempéries, mais uma me marcou aquele espetáculo: a presença do diretor de teatro Antunes Filho, e a maneira com que ele se postou para “degustar” o cardápio acústico. De olhos fechados.

Esta é mais uma das histórias da nossa cidade, contada no Divã do Jekiti.

Eduardo Nascimento 

19/07/2022

 

2 comentários:

  1. Muito bom! Os imprevistos acontecem, e o inusitado foi supresso. E a família enlutada deve ter sentido com uma "homenagem dos Céus" à defunta.

    ResponderExcluir

Comente com responsabilidade e se identifique.