|
Frequentadores do Jekiti. |
Hoje quem está no Divã do Jekiti é meu amigo Lindomar Santos
– Garça, que relatará fato ocorrido na juventude e tornou-se segredo
entre os amigos e jovens da época. Conta aí Lindomar:
PACTO DE MORTE
“Morava em Curitiba com a turma de Antonina, no saudoso 1007
– apartamento do Edifício São Paulo (na época famoso Balança...mas não cai) na
Rua Cruz Machado,311, 10 andar...apt.1007, onde agregava antoninenses
(república). O apartamento consistia em sala, quarto, banheiro e uma cozinha que
só cabia um, de tão pequena. Eduardo se instalou na sala, porque ele era o locatário
do imóvel, e nós no quarto – um amontoado onde dormía em camas e beliches.
Em 1972, fui pra Curitiba fazer cursinho...em pleno
resquício da ditadura militar. Fazia cursinho Bardal a noite. Sexta-feira, após
ter feito um lanche, chego no apartamento e lá encontro uma turma de
antoninenses...uns dez. Todos no 1007. Lembro ainda de algumas pessoas: ... Xixo – que namorava a filha do Negromonte, Edson e André Carraro...entre
outros...que me falha a memória.
Eles tinham vindo de um jantar em Santa Felicidade, e
passaram no 1007 para fazer alguma coisa e seguir a noitada. Se não me engano,
iriam em um bar onde Antonio Pelicano estaria tocando violão. Cansado, estava
mais disposto a dormir, mas a insistência foi tanta que resolvi acompanhá-los. E
lá fomos nós.
Descemos no elevador - naquela algazarra, pegamos a Cruz
Machado sentido contramão – bom lembrar que na época na rua existiam inúmeros
bares noturnos...bocas-da-noite, isso lá pelas 23horas, ou mais. Como a calçada
da rua era muito estreita, formamos uma fila indiana e seguimos, mas, o Edson
Negromonte colocou os pés e subiu em um fusca e começou a gritar, chamando a
atenção de todos. Nisso, duas veraneios descaracterizadas - placas da Bahia,
para e descem uns homens, nos cercam e mandam encostar na parede com as mãos a
cabeça. – Encostem aí bando de vagabundo! Tinham uns três de nós mais a frente,
e quando viram o tumulto, apuraram os passos e se mandaram, como se não fosse
com eles.
E nós seguimos na parede, passamos por uma revista total –
achavam que portávamos droga, mas nada foi encontrado. Mandaram a gente entrar
no camburão, e lá fomos nós de veraneio passear pela cidade. Amedrontados
começamos a falar, mas, um dos policiais não gostou, sacou de um revólver e
colocou em nossas caras: - Calem essa boca seus vagabundos! E o passeio
continuou até chegarmos a Delegacia de Entorpecentes, que ficava ali na
Visconde de Nacar.
Jogaram todos nos em uma sala...E nessa sala tinha um rapaz
algemado, fomos novamente revistados, principalmente as barras das nossas
calças e ouvimos: - Vocês não prestam nem para fumar maconha...seus vagabundos!
Ficamos paralisados, calados sem saber do que esperar. De repente levaram o
rapaz algemado para outra sala e começamos a ouvir gritos...berros e pauladas. Ficamos
apavorados, mas logo tudo se acalmou e começaram a nos chamar, um de cada vez:
- Você aí!!! Até que chegou a minha vez – com o cú que não passava uma agulha!
Entrei numa sala escura – coisa de delegacia, aquela luz em cima da mesa e não
se via a cara do delegado, para não ser reconhecido, e ele diz: - Mete a mão aí
na mesa! Coloquei a mão na mesa e fechei os olhos, achando que iria levar umas
palmadas, mas para surpresa, veio um policial por traz e me dá uma senhora ripada
na bunda. – Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii! Era o que podia fazer. – Vá embora seu
vagabundo! Retrucava o tal policial.
Sai da delegacia calado e cabisbaixo, desci a Visconde de
Nacar e na primeira esquina encontrei parte da turma – pois fui um dos últimos
a sessão tortura. O clima era de total preocupação, e na presença dos demais
foi feito um pacto de silencio: NINGUÉM CONTA NADA DO OCORRIDO. O pacto parecia
de morte, pois ninguém em Antonina poderia saber, principalmente nossos pais. Segredo que durou mais de quinze anos e
tornou-se público nos encontros entre os Amigos do 1007, anualmente realizados,
principalmente nas caranguejadas no Restaurante da Ieda, mas todos já erámos adultos,
alguns ausentes a comunidade e na hora da conversa, alguém dizia: - Contem
aquela da prisão e da ripada! E não dava para deixar de relembrar esta trágica aventura.
Bem...para encerrar a narrativa dessa história, tem mais um
detalhe que não podemos esquecer e que deveria ter sido contado no início. Quando
a polícia nos abordou, nosso amigo Xaxo - que era um cara muito bonito, andava
de paletó e camiseta, cabelos compridos... modelo...Bem vistoso. Ele falou para
o policial: - Quem são vocês? Quero ver os documentos? A reação foi imediata e
recebeu como resposta uma bofetada do policial. – Está aqui meu documento...seu
vagabundo!”
|
Prof. Lindomar Santos...Narrador do causo. |
Lindomar Santos – Garça 30 jan.2023
O Divã do Jekiti é uma coluna publicada no Blog
Palavradobo, com causos e histórias contadas pelos frequentadores do Jekiti,
lugar de convivência social – ponto de ônibus com dois cafés em Antonina. As
conversas-histórias são gravadas, subscritas e postadas pelo editor do blog. Em
breve será publicado em livro físico. Aguarde!