SEU DELFINO
Sou de família religiosa cristã e durante a infância e adolescência,
frequentei assiduamente a igreja da minha cidade, especialmente a matriz de
Nossa Senhora do Pilar da Graciosa. Fui coroinha, tocador de sino, vendedor de
artigos religiosos, bibliotecário e até membro de um grupo conhecido como TLC –
grupo de jovens paroquianos que passava por uma espécie de retiro espiritual
nos anos sessenta.
Entre os personagens marcantes deste período, se encontra seu
Delfino Fontoura, figura diuturnamente presente em todas as cerimônias
religiosas realizadas na matriz e em toda a paróquia.
Seu Delfino como era chamado, era um pequeno comerciante de
aviamentos (artigos que servem para complementar vestimentas: botões, zíper,
linha de costura, alfinete, fita, fivela...) com loja na Rua da Campo –
Conselheiro de Araújo. Local também muito por mim frequentado, pois sendo minha
mãe costureira, sempre me mandava comprar na loja do seu Delfino. E lá estava
ele prestativo e muito ativo.
Durante a missa nos cânticos religiosos - sendo portador de
uma voz aguda e estridente, impunha o ritmo e muitas vezes lembrava a ‘esquecida’
letra da canção, fazendo coro e envolvendo todo o templo. Sua figura se destacava
ainda mais na hora da oferta, e lá vinha seu Delfino com uma vareta que
continha uma sacola vermelha de veludo na ponta, onde os fiéis deixavam suas
ofertas – dinheiro...quase sempre puxado por um bom e sonoro: Queremos deus,
homens ingratos...
Não lembro missa sem a presença marcante do seu Delfino.
Também sua voz era destaque nos cânticos das cerimonias
externas, as procissões, principalmente do dia de Corpus Christi e a maior de
todas a da Festa de Agosto, em homenagem à padroeira do Pilar.
Um dos últimos e marcantes momentos, aconteceu durante a
procissão de encerramento da semana em louvor, conhecida como Missões. Iniciada
na matriz, os fiéis carregaram uma cruz de madeira pelas ruas da cidade, que
deveria ser fixada como marco da cristandade, no alto do Morro do Bom Brinquedo.
Tarefa de média dificuldade, pois, para chegar até o local previsto tinha um caminho
lateral mais longo e menos dificultoso. Mas, poder-se-ia chegar mais rápido por
um atalho, com aclive bem acentuado. E aí aparece seu Delfino, homem de fé, de pequena
estatura e muito ávido, seguiu o atalho e não deu outra, escorregou e desceu
morro abaixo, para a preocupação de todos.
A caminhada foi interrompida devido o tombo do seu Delfino e
todos foram ao seu encontro, mas, rapidamente se levanta, todo empoeirado e
segue sua missão em chegar ao local onde seria colocada a cruz. Missão cumprida,
todos oram e seu Delfino inicia um cântico final e dá se por encerrada a
cerimônia.
Eduardo Nascimento 09 mai 2023
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