domingo, 13 de fevereiro de 2022

Mais uma no Divã do Jekiti...Espanto no funeral.

Hoje nossa "paciente" é uma querida amiga, artista e educadora, que nos enviou este conto interessante. Fala aí Marília Diaz: Espanto no funeral: a homenagem inesperada Antes de mais nada, é preciso esclarecer que não sou freqüentadora do Jekiti por morar em Curitiba e Seichal em Portugal, no mar de lá. Por amar Antonina e sua gente, tão afeita a histórias, me atrevo a fazer parte desse alfarrábio com essa página. Como professora da UFPR participei de dezesseis versões do Festival de Inverno de Antonina, ministrei cursos, oficinas, fui júri e supervisora de eventos, proferi palestras. Fiz fogo e fumaça, desfilei na Rua Dr. Carlos Gomez da Costa, cantando o nome do Turíbio e do Cabeção, ouvi serenatas e tiro de canhão.... Convivi com artistas renomados e dormi ao lado de quem roncava muito. Escutei a historíola da cigana afogada e do cavalo, que ainda espera por ela a beira da água, da noiva presa no porão e tantas outras... Nesse vai e vem passei também a trabalhar no Projeto de Extensão O Fazer Ceramico em Antonina e a visitar semanalmente a comunidade. Em uma dessas viagens, ao adentrar a cidade e passar pela casa de Dona Iza Azim, braço direito do projeto, estranhei a gentarada. Na APAE, onde a ação se dava e todos esperavam com a argila na mão, me informaram que a sua progenitora havia falecido. Pela relação afetuosa que construímos, fui até a casa para prestar minhas condolências. Abracei Dona Iza e fiquei por ali, em frente ao esquife pensando na dor de perder a mãe. De súbito as pessoas que estavam atrás foram abrindo caminho e como se entrasse com ele uma golfada de vento, surgiu Jourbert, prefeito do município por mais de uma vez. Cabelos longos e bigode pintados de preto retinto, já deixando ver a cor original, terno e gravata do mais profundo negro. Em passadas largas e rápidas, afastou os candelabros prateados para o canto e chegou com facilidade até a defunta. Negligenciando o arrumado do tule encaixou as duas mãos grandes e pálidas por trás da nuca da finada e puxou seu corpo em direção a si. Bradou o seu inconformismo com a perda. Seu peito recebeu a falecida rija e todas as flores e tecidos que adornavam o seu entorno. O suporte do ataúde estremeceu. Não sou afeita a essas indelicadezas mas, espantada com a cena, com vergonha alheia, lembrei de Odorico Paraguaçu, personagem conhecido da novela brasileira e sai rapidamente com crise de riso. Não pude me conter. Peço perdão aos vivos e aos mortos. Ao final do cortejo, dentro da casa, talvez como resposta ao fato, a cristaleira tombou e todas as louças foram quebradas. Restou só um potinho de vidro lapidado. Tempos depois, Dona Iza envolveu-o em papel alumínio e me presenteou. Guardo comigo o mimo, suas palavras bem como as narrativas fantásticas. Ah, se Borges e ou Calvino soubessem! Marília Diaz
Eu e a Marília na Livraria Da Barca.

Um comentário:

  1. Ótimo causo. Vou rebater com um do livro Dois Comprimidos de Pintar Cabelo Preto (que a história me fez lembrar, por causa do bigode do prefeito). O livro é de Eduardo Mercer, parente do nosso confrade José Luis da Veiga Mercer.
    Como avisar uma viúva, com muito tato, que ela ficou viúva
    Seu Tonico, vice-prefeito de Araucária em meados dos anos 70, chegou à prefeitura e vieram lhe trazer a notícia: o tratorista João, funcionário da prefeitura, havia infartado no pátio de máquinas naquela manhã.
    Além da má notícia, informaram seu Tonico que o prefeito o escolhera para avisar a família. Seu Tonico relutou, mas disseram que o prefeito o considerava o mais articulado, portanto ideal para a missão.
    E lá foi o vice-prefeito, um tanto contrariado. Ao chegar à casa do João, bateu palmas no portão e logo apareceu uma mulher na janela:
    – Bom dia. A senhora é a viúva do João?
    – Não, eu sou a esposa do João.
    Seu Tonico não perdia a viagem e nem naquela dolorosa situação se segurou:
    – Quer apostar?

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