quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

BAÚ DO ARAMIS MILLARCH

Já que a ordem do período carnavalesco era navegar na folia. Aproveitei e fui além da folia e naveguei na rede, descobrindo coisas curiosas da nossa história no site Tablóide do Jornalista Aramis Millarch (in memorian) que escreveu por muito tempo no jornal O Estado do Paraná. Selecionei algumas pérolas, que passo a publicar no blog a partir de hoje.
Alguns textos são intensos, mas importantes para os interessados na história da nossa cidade. Uns contam histórias...Outros fazem história.


BAÚ DO ARAMIS 01

SECE veta exposição e agride uma cidade
(Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 26 de fevereiro de 1985)

Cidade histórica e turística, Antonina acaba de ser duplamente agredida pela Secretaria da Cultura e do Esporte/Paranatur. Além da corajosa denúncia que o vereador Ironaldo Pereira de Deus fez, na semana passada, e que O Estado do Paraná divulgou, sexta-feira última, um fato ainda mais grave de pipocar, politicamente, agora e valer a concessão do título local de persona non grata ao titular da Secretaria da Cultura e do Esporte.
O clima é simplesmente de revolta: por razões pessoais, a Secretaria da Cultura e Esporte proibiu que um dos mais respeitados e estimados profissionais da fotografia no Paraná, Eduardo Nascimento, fizesse uma exposição sobre "10 anos de Carnaval em Antonina", no hall do Centro Cultural e Turístico daquela cidade, inaugurado há um ano na desativada estação ferroviária.

Antoninense apaixonado pela cidade, que tem documentada em mais de 6 mil imagens, Eduardo Nascimento, 33 anos, teve a idéia de selecionar 200 fotos em branco e preto e 100 slides em cores mostrando o carnaval capelista entre 1974/84, seus personagens, suas escolas de samba, a alegria da boa gente daquela cidade que tanto cativa os visitantes. Procurou o prefeito Joubert Gonzaga Vieira (PDS), que, sensível ao projeto, imediatamente autorizou uma verba de Cr$ 500 mil para a compra do papel fotográfico necessário (os trabalhos de laboratório e montagem, Eduardo faria sem nada cobrar). O administrador do Centro Cultural e Turístico, Sr. Iberê Mathias, procurado por Eduardo, gostou da idéia (afinal, em um ano nenhuma outra exposição foi ali realizada) e autorizou, verbalmente, a mostra. A programação foi elaborada e a inauguração seria na sexta-feira, 15, com a presença de autoridades municipais, líderes comunitários e, naturalmente, a população.
Qual não foi a surpresa de Eduardo Nascimento, ao ser comunicado pelo Sr. Iberê Mathias de que "estava havendo problemas para a ocupação do espaço". Nascimento estranhou: que problemas? O espaço da antiga estação ferroviária, pertencente, patrimonialmente, à RVPSC, havia sido cedido à comunidade, com administração da Paranatur, justamente para sediar eventos culturais, além de um restaurante típico, que, explorado pela conhecida Ieda, há muito já ultrapassou a área originalmente destinada ao estabelecimento.
Homem sem papas na língua, Eduardo procurou os afetados assessores da Secretaria da Cultura e do Esporte, e ali foi informado de que "não havia condições para fazer a exposição". Esfarrapada desculpa: - A secretaria está redimensionando (sic) o projeto de ocupação do Centro Cultural. Piada de mau gosto: em um ano, após a festiva inauguração daquele centro, por sinal justamente com uma exposição fotográfica de Eduardo Nascimento e de trabalhos da artista Lizete Chipanski (ambos capelistas apaixonados), nenhuma outra exposição se realizou ali. Total ociosidade, sem que o espaço fosse ocupado. E, quando Eduardo se propôs a montar uma exposição intimamente ligada à cidade, apresentaram-lhe o absurdo veto. Incrível mas verdadeiro.
Comunicadas as autoridades, o líder do PMDB na Câmara de Antonina, vereador Carlos Augusto Machado, tentou intervir, pela liberação da área. Inútil. Foi desprestigiado na solicitação. Informada a cidade de que a exposição não ocorreria, revolta total. E no índex dos inimigos de Antonina, mais um nome foi gravado: o do titular da Secretaria da Cultura e do Esporte.


Embora os assessores da Secretaria da Cultura e do Esporte neguem que o veto tenha tido razões de ordem pessoal, Eduardo Nascimento garante que é por "mesquinharia e mediocridades contra mim, que fui impedido de expor". É bom lembrar que Eduardo Nascimento, formado em pintura e licenciatura em desenho pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná (1977/79), professor da Faculdade de Educação Musical do Paraná e fotógrafo nacionalmente respeitado, era funcionário da Secretaria da Cultura e do Esporte até setembro do ano passado.
Entre 1978/84, ali coordenou o setor de programação visual, num trabalho de grandes méritos. Entretanto, pela honestidade e coerência pessoal, não compactuou com infelizes projetos (sic) desenvolvidos na atual administração e, após ter sido dispensado da chefia do setor de comunicação, acabou demitido, em setembro do ano passado, poucos dias após a saída da arquiteta Jussara Valentim, curadora do Patrimônio Histórico, e da professora Maria Cecília Vieira Helm, coordenadora do patrimônio histórico e artístico. Identificado com o trabalho sério que Jussara e Maria Cecília desenvolviam, Eduardo as apoiou em suas posições éticas e, em conseqüência, foi demitido. Jussara, decepcionada com o clima implantado na secretaria, aceitou o convite para ser a diretora administrativa da Fundação Cultural de Curitiba, enquanto Maria Cecília denunciou, nacionalmente, o absurdo que a secretaria pretendia fazer editando uma caríssima e discutível "Cartilha Gralha Azul", com desenhos e textos racistas. Um escândalo de grande repercussão, que só graças à posição honesta, ética e íntegra de Maria Cecília foi abortada no nascedouro. Mas custou-lhe o cargo, pois, pelas suas críticas, acabou obrigada a deixar a coordenadoria que tão bem exercia.


Eduardo Nascimento já fez mais de 50 exposições, entre individuais e coletivas. Direta ou indiretamente, produziu, também, meia centena de posters, catálogos e outros programas de eventos culturais. Em 1980, publicou o livro "Antonina dos Meus Dias", com 60 fotografias da cidade, trabalho de tamanha qualidade que o poeta Carlos Drummond de Andrade lhe dedicou uma crônica no "Jornal do Brasil", ilustrada com duas fotos - fato raro nos muitos anos em que o poeta da "Rosa do Povo" escreve no matutino carioca.
Atualmente Eduardo faz mestrado em comunicação e semiótica na PUC, em São Paulo, e dedica-se ao magistério, como chefe do Departamento de Matérias Práticas e professor de Fotografia na Faculdade de Educação Musical. Em seu atelier, executa trabalhos em pintura e gravura. No ano passado, participou de mostra de artistas jovens do Paraná levada a vários Estados. Aliás, há 3 anos, ao lado de outro artista capelista, Carlos Eduardo Zimmerman, representou o Paraná no Salão Nacional de Artes Plásticas, no Rio de Janeiro, com um elogiado cartema homenageando Aluísio Magalhães.
Uma coleção de 6 fotos-cartões postais, com belíssimas imagens-detalhes de Antonina, por ele editado, foi levado também a vários salões nacionais. Por indicação da Associação dos Artistas Plásticos do Paraná, Eduardo integra o Conselho Consultivo do Museu de Arte Contemporânea, para cuja direção, aliás, por duas vezes foi lembrado, nos últimos anos.
Como se vê, o curriculum de Eduardo é significativo. Ao se propor a fazer uma exposição de fotografias sobre o Carnaval em Antonina, desejou dar uma contribuição à cidade, movimentando um espaço que normalmente deveria ser ativado, se houvesse competência da Paranatur/Secretaria da Cultura.
Ironia: na semana passada, após ter o nome vetado para expor no espaço cultural de Antonina, Eduardo foi procurado pelo novo coordenador do patrimônio Cultural da SECE, sociólogo José Guilherme Cantador, que, interessado em documentar o carnaval capelista, buscou sua colaboração. E dando uma demonstração de elegância (o que seus inimigos da Sece na tem), Nascimento fez mais do que simplesmente dar a Cantador as informações solicitadas. Como bom anfitrião, recebeu-o em Antonina, juntamente com a equipe de fotógrafos e pesquisadores da secretaria que ali esteve para "documentar o Carnaval". Documentação que Eduardo tem a mais completa possível e que a Coordenadoria do patrimônio quer agora possuir.
A revolta dos capelistas é grande. Centenas de amigos lhe manifestaram solidariedade pelo absurdo veto. Bom cristão, sem revanchismos, ele, como outros milhares de paranaenses, sabe que um dia o sol voltará a brilhar e o Estado terá, novamente, uma Secretaria da Cultura digna desse nome.

Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Veiculo: Estado do Paraná
Caderno ou Suplemento: Almanaque
Coluna ou Seção: Tablóide
Data: 26/02/1985

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